Ela não quer ir pra lugar nenhum.
Quer ficar em casa sozinha esta noite, verdadeiramente sozinha dessa vez. Agora não há mais ninguém que possa chegar na madruga.
Deitada, sem muito saber o que pensar, sente que ainda não processou muito bem tudo que houve hoje.
Talvez ela quem tenha falhado como mãe. Talvez ele quem tenha falhado nessa vida. Mas o que houve no caminho? Por que se desviou tanto até chegar nesse trágico fim?
Talvez ela devesse ter sido mais dura. Talvez ela devesse ter sido mais gentil.
Talvez seu destino fosse mesmo esse.
Qual a diferença de uma vida com grandes feitos, bom emprego, boa família, viagens, bens materiais, sonhos realizados... Agora, após a morte, tudo dá exatamente na mesma, ao invés de tudo isso, foram apenas anos num bar, bebida, cigarro...
Depois da morte, tanto faz.
Talvez ele tenha sido feliz. Talvez o que idealizou para si tenha sido cumprido com sucesso, apenas o viver da vida, do jeito que quis, ou do jeito que deu.
A culpa não foi dele por ter acabado dessa forma, a culpa não foi dela, por ele ter chegado ao fim.
A culpa foi toda dele, por não ter feito diferente, a culpa foi toda dela por não ter feito algo antes.
Mas agora, nada disso mais importa.
O que tem que ser feito agora é a escolha de uma boa roupa para se apresentar aos presentes no enterro.
O que será dela agora?
O que serão dos irmãos?
Para onde ela irá?
Quem irá cuidar dela?
Quem irá lhe fazer companhia?
Com quem ela brigará?
Como ela lidará com a dor da perda de um filho?
Ela perdeu-o agora? Ou já o havia perdido há tantos anos?
Para quem é vivo a vida segue.
Para os que ficam, a dor os acompanha por um breve tempo e depois só ficam as lembranças, longínquas, de um tempo em que ele foi bom e de outro em que ele já não era mais.
Será possível para a mãe superar a perda de seu filho?
O que será da vida dela?
O que foi da vida dele?
Talvez o melhor caminho tenha sido este, melhor do que muito do que podia ter acontecido.
Talvez o destino foi benevolente.
Talvez ainda venha a ser mais difícil.
Talvez ainda venha a haver mais coisa.
Não dá para saber se este é um momento de paz com tanta dor.
Não dá para saber se foi um alívio ou um castigo pela forma que estavam as coisas.
A vida estava confusa.
O medo e a sombra da morte pairavam no ar.
A vida permanece confusa.
O cheiro da morte não está mais no ar, agora o que cheira é o cadáver frio, aguardando ser levado.
A vida não existe mais.
E a vida que se teve, já não importa mais.
Há um ano