sábado, 4 de junho de 2011

Eram 23 horas e 54 minutos. Ela entrava silenciosamente no quarto. Acendeu meia luz e não parava de pensar em suas confissões:
Desde pequena fugiu. Mas só agora teve plena consciência disso.
A vida inteira ela fugiu da realidade, por medo de suportar, ou medo que não fosse o sonho que ela sonhava.
Por isso gostava tanto de dormir.
Passava mais de 12 horas ininterruptas dormindo.
Durante toda a juventude foi assim.
Os pais sempre estranharam o sono exagerado que sentia, mas o máximo que perguntavam era se estava doente.
Os dias se arrastavam lentamente, a cada novo dia mais desapontamentos e maior o medo de prosseguir. O tempo passava por ela, e ela fingia uma felicidade infinita que era muito invejada.
Era um doce de menina. Estudiosa, comportada e educada.
Mas nunca fora muito adepta à responsabilidades.
Cumprir tarefas pré-determinadas nunca fora o seu forte.
Todos a viam como meiga, simpática e inteligente. A família até comentava a falta de vontade para afazeres domésticos mandados e algumas tarefas em determinados dias e horários.
Ela gostava de estudar. Ou não.
Gostava de ir para a escola. Porque fugia a realidade de sua casa.
Gostava de ir para casa no final do dia, pois fugia da realidade triste da escola.
Mal sabiam, pais e colegas, que ela chorava todas as noites por se sentir tão vazia e sem talentos.
Teve muitos problemas com amigos, ou melhor, a traição e a falta deles.
E assim se passaram os anos. Cada nova atividade era pra fugir da anterior, a qual ela começara por prazer e cansara por responsabilidade.
Aos vinte e poucos anos, com uma vida perfeita, de causar inveja à meio mundo, ela continua tentando fugir.
Há algum tempo atrás fugia por não ter nada.
Afogava-se nos livros por falta de amor, de amigos, de emprego, de motivos e de vontades. Quando não estava alheia ao mundo, em algum livro, estava dormindo.
Depois de sofrer, reclamar e pedir, a vida deu-lhe tudo em um espaço de tempo curtíssimo.
Hoje, com emprego, faculdade concluída, vários cursos concluídos, com carro, casa, noivo, família, amigos e muito amor, ela não vê motivos para continuar.
Ela tenta fugir. Alguns vícios, uns pequenos e outros grandes, alimentados para fugir de uma realidade que ela não sabe bem por quê a tem.
Quando está no plano real sempre pensa onde quer chegar com tudo que tem, mas não conclui nada.
Dizem que tem certa facilidade pra esquecer os problemas do trabalho em casa, e os problemas de casa no trabalho, muitos destes que ela mesma criou, porque estava cansada de uma vida sem problemas e incomum.
Esta facilidade se deve aos vícios.
A mente exausta só quer fugir.

Passa horas em jogos, mas tem problemas com isso e se recrimina sempre por achar ser ruim.
Uma saída que sempre utiliza como justificativa mais coesa são os livros.
Passa horas lendo alguma coisa, mesmo que no meio de uma multidão, na sala com a família discutindo, ao abrir o livro ela caí dentro dele e não escuta, não vê, não sente e não se lembra de nada mais a não ser a fantasia que surge das páginas que folheia.
Ela tem consciência disso tudo agora.
E... O que fazer?
Geralmente quando se identifica algum problema, ou algo errado, se preocupa com uma solução, uma saída.
Ela achou rapidamente.
Perguntou despreocupadamente ao noivo sobre um tipo de droga que achou em casa, entre as coisas da irmã.
No mesmo dia não se conteve, tinha que, de qualquer maneira, se livrar da consciência de que vivia a vida fugindo da vida.
Pegou o pó fino e claro, levou consigo ao banheiro quando decidiu se banhar a noite.
Tomou um banho quente, mas não conseguiu relaxar.
Só pensava nela, na droga.
Ao sair, sem ao menos se vestir, preparou o pó.
Minutos depois, já se sentia mais relaxada e calma. Nada mais a preocupava, pois ela não lembrava-se mais de nada.

ela era como uma bateria que se cansou de esperar
para carregar algum aparelho e quer ser desligada


Jogada na cama, pensava que há muito tempo havia tido a consciência de que passava a vida fugindo. Mas era algo tão distante que não importava mais.
Olhava pro teto.
Como era branco. Como era belo. O gesso liso marcava o fim do teto e inicio da parede.
Na sua antiga casa o gesso era trabalhado, nesta liso.
Preferia o gesso trabalhado, preferia a outra casa.
No instante seguinte apagou-se num sono profundo, esgotada.

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